Salário emocional não motiva
Pergunta: Vale a pena trocar uma empresa com um salário bom por outra com um salário mais ou menos, mas com bom salário emocional?
Resposta: NÃO VALE! E o capslock não faz jus à ênfase necessária.
O que é salário emocional
Salário emocional é uma compensação não-econômica que complementa o salário que ajuda o funcionário a lidar com as demandas também emocionais do trabalho.
Origens do termo
Em tempos de internet, as pessoas tratam como se tudo existisse desde sempre, mas esse termo é utilizado amplamente há menos de 10 anos e existe com o significado atual só há talvez 15 anos*.
Usos
Inicialmente significava “recompensa emocional”, no sentido, por exemplo, de se receber diariamente uma mensagem de carinho do marido ou da esposa. Essa constante lembrança do afeto e que traz segurança emocional era comparada ao salário, um “salário emocional”.
Apropriado para o mundo dos negócios, a expressão ganha ares de sofisticação e seu sentido, agora difuso, enevoa-se entre motivação e compensação pelo trabalho. Mas como funciona?
Conceitos de gamificação
Na gamificação, os estudos sobre essa dinâmica recaem sobre a Teoria da Autodeterminação.
A Teoria da Autodeterminação sugere três fatores fazem uma pessoa mais (para encurtar a conversa) engajada numa atividade — “motivada para o trabalho”. Os fatores são: competência, interação social e autonomia.
- Competência
É a percepção de que se consegue cumprir determinada tarefa e, se há obstáculos, segurança de que consegue aprender a superar as dificuldades. Enfatizo a segunda parte, porque há de se ter segurança para errar e explorar as alternativas de solução. Se a pessoa só pode acertar, não há percepção de competência.
- Interação Social
Significa que o ser humano tem liberdade de estabelecer vínculos com outros seres humanos. Esses vínculos devem ser recíprocos, de afeto e confiança. As empresas lidam com isso apenas como “alinhamento de valores”. Não é. Pode ser vínculo através do futebol, da culinária ou compartilhando histórias sobre cuidados com os filhos pequenos. Não é apenas interação funcionário-funcionário, mas ser humano com ser humano.
- Autonomia
Um dos primeiros estudos de 2004** já indicava exatamente que os funcionários de TI com poder de decisão de compra (e de efetivação dessa compra decidida) se sentem mais satisfeitos com o próprio trabalho. Poder é uma das opções de recompensa da gamificação, mas essa é outra história.
Usos
Uma pesquisa agora aqui no LinkedIn vai nos mostrar que as pessoas consideram “salário emocional” como:
- reconhecimento pelo meu trabalho (afirmação de competência, ok)
- oportunidade de crescimento dentro da empresa (oportunidade não é, crescer dentro da empresa é)
- cultura e valores alinhados (como vimos, não com a empresa, mas entre os indivíduos)
- ambiente interno agradável (o mínimo)
- poder expressar suas ideias (isso é não ser uma empresa estúpida)
- comunicação clara entre líderes (nada a ver, não deveria ser culpa do funcionário se os líderes não sabem conversar)
- desenvolvimento pessoal e profissional (mesmo que 2, se desenvolveu, ok, se é “oportunidade”, não adianta)
São basicamente esses 7 pontos. Dois são o mínimo que se espera de qualquer empresa, dois são o mesmo, o (2) é tratado como dar esperanças ao funcionário e o (3) esquece da ênfase no funcionário, não na empresa.
Salários emocionais melhores seriam:
- Horário de trabalho flexível
- Treinamento que conte como trabalho (com salário respectivo)
- Espaços para convivência até mesmo entre diferentes turnos
- Incentivo para programas de interação entre funcionários onde possam compartilhar interesses pessoais
- Tempo livre para funcionários que se dediquem a trabalho voluntário
- Apoio às famílias que precisam deixar as crianças em casa (Day Care ou subsídio para creches, por exemplo)
Contraponto: Fatores higiênicos
Tudo isso levando-se em conta que as motivações são coisas muito frágeis e se quebram quando manipuladas da forma errada.
Herzberg usa a expressão fatores higiênicos para falar do mínimo de compensação que a empresa deve dar ao funcionário. O que chamamos de “motivacionais” são fatores cuja presença estimula as pessoas. Os chamados “higiêncos” são o contrário, desestimulam as pessoas quando ausentes.
A questão aqui é que a ausência de fatores higiênicos não pode ser compensada com a presença de fatores motivadores.
Salário em dinheiro suficiente é um fator higiênico.***
Por um lado, e eu gostaria que fosse diferente, multiplicar o salário de um professor por 10 não vai fazer as crianças aprenderem 10 vezes mais — nem mesmo motivar 10x mais o professor a dar uma aula. Mas o salário insuficiente que nossos professores recebem com certeza os desestimula. (“Mas trabalham por amor”, diz agora o leitor incauto. Não, eles poderiam dar aula de graça. E provavelmente dão aula de graça por amor. No colégio, eles precisam receber pelo trabalho.) O mesmo qualquer outro funcionário.
Na dúvida por onde começar? Deixe o funcionário escolher.
Não existe truque. Colocar os funcionário como parte do processo (autonomia) é importante. Discutir com eles juntos (interação social) sobre o que precisam é ainda melhor. É importante garantir que eles recebam feedback sobre o bom trabalho que fizeram ou que têm o espaço suficiente para contornar os problemas que encontrem pelo caminho (competência). Sem esquecer que primeiro eles precisam estar sendo reconhecidos e compensados pelo trabalho com um salário digno e mais do que suficiente.
Conclusão
Se seus funcionários não respondem ao “salário emocional”, então seu salário real está muito baixo.
Converse com eles. Pesquise com eles o que é preciso melhorar.
* O termo é de 2003, mas eu não quero encher de referências bibliográficas. Se alguém se interessa: Huete, L. (2003). Servicios & beneficios. La fidelización de clientes y empleados. Grupo Planeta (GBS).
** https://aisel.aisnet.org/cgi/viewcontent.cgi?article=2032&context=amcis2004